terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Barack Obama Blues


Em 18 de dezembro de 1865, entrava em vigor a 13ª emenda à constituição norte-americana que abolira a escravidão dos Estados Unidos da América.

Se o tempo do cativeiro foi uma terrível experiência para os milhões de negros escravos nas terras das treze colônias, o período pós-1865, não seria menos doloroso, nem menos violento do período que o antecedeu.

Após a 13ª emenda, apenas, iniciava-se a árdua e árida trajetória da população negra norte-americana rumo à conquista de cidadania e da igualdade social.

O périplo negro tem início ao raiar do século XX, quando uma enorme caravana de tez africana se desloca da bacia do Mississipi para o nordeste industrializado onde construíram cidades essencialmente negras nos subúrbios do norte e nordeste das grandes indústrias. Começava-se a se forjar um dos sistemas de segregação racial mais violento em pleno âmago da democracia norte-americana.

As conquistas dos direitos de cidadania (14ª emenda) e o direito de voto aos homens negros (15ª emenda) vieram acompanhados da reação violenta e brutal de uma aristocracia branca (principalmente a sulista) de mentalidade escravista que não aceitava dividir o status de cidadão com aqueles que até pouco tempo lhe chamavam de amo.

A ku-klux-klan é um desses terríveis e tristes exemplos do paroxismo da manifestação de racismo norte-americano. Considerada uma associação secreta e ilegal, a ku-klux-klan usava os mais violentos métodos para espalhar sua mensagem e, dessa forma, inibir os negros à sua busca por cidadania plena.

A segregação racial nos EUA não precisava de maquiagem, era concreta e tenebrosamente palpável.

Nos ônibus havia separação dos lugares exclusivos para negros e brancos.

Nas escolas, nos hospitais, bibliotecas, parques, enfim, nesses lugares o negro não poderia “invadir” o espaço do branco. E o que mais impressiona nesse fato é que o racismo, essa segregação era institucionalizada pelo Estado norte-americano (regime de apartheid), ou seja, havia leis que oficializavam essa situação de ignorância social, leis essas que ficaram conhecidas popularmente nos EUA como Leis Jim Crow, traduzidas para o português ficariam algo como leis dos Zé-urubus.

Durante o século XX, as conquistas políticas dos negros norte-americanos foram lentas e graduais. Para cada vitória nos tribunais conseguida por um negro havia uma enxurrada de onda de violência contra a comunidade negra. Essas parcas conquistas eram rapidamente respondidas com extrema brutalidade por parte dos racistas.

Não obstante os obstáculos impostos pela mentalidade racista e retrógrada de uma sociedade que acostumara ver o negro como um “zé-ninguém”, os negros norte-americanos não se acomodaram e, mesmo sendo alvos de uma violência desmedida, foram à luta.

Na primeira metade do século XX, o Blues e o Jazz alcançaram status de cultura refinada, obrigando a indústria fonográfica a se render ao talento de Louis Armstrong, Billie Holiday, Sarah Van Ghan. Através da música os negros norte-americanos impunham uma importante vitória sobre o racismo majoritário da sociedade Estadunidense. Outro aliado importante na luta contra a segregação racial no século XX foi a fundação da Associação Nacional Para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP) que mobilizou negros e brancos indignados com a violência da discriminação.

Nos anos 60, houve a luta de Martin Luther King, que através de seus discursos e atitudes pacifistas tentou conscientizar a sociedade contra os malefícios do sistema segregador. O racismo violento, num primeiro momento, venceu. Em abril de 1968, Martin Luther King era assassinado em Memphis, Tennessee. Todavia sua semente estava plantada.

Ainda nos anos 1960, houve a luta do movimento Black Power, que representava a vertente mais radical da luta negra e que teve em Malcom X seu principal porta-voz.

Em quatro de novembro de 2008, a maioria dos norte-americanos escolheu um negro com um nome com sonoridade árabe, fato, indubitavelmente, relevante se levarmos em consideração tudo que foi exposto sobre a sociedade norte-americana.

A vitória de Obama pode, realmente, significar uma mudança na mentalidade dos moradores das antigas treze colônias?

É lógico que nós aqui na parte de baixo da América, não podemos esperar ou alimentar messiânicas esperanças do governo estadunidense na administração de Barack Obama, e que o mesmo venha nos abençoar com um novo direcionamento da velha, e conhecida (e muitas vezes acolhida por governos “democráticos”), política da América para os americanos, e que a partir de Obama a América e o mundo conheceriam a nova e redentora filosofia de um capitalismo humanístico.

Sabemos muito bem o que pode fazer um presidente norte-americano quando movido por interesses geopolíticos e econômicos. Interesses esses que nem sempre (ou quase nunca) representam os interesses do povo estadunidense.

Se fôssemos enumerar os exemplos das intervenções militares-econômicas dos EUA pelo mundo afora, demandaríamos laudas e mais laudas.

No Brasil, basta apenas lembrar os vinte anos de ditadura militar e seus estragos em todos os aspectos para a sociedade brasileira. Tudo isso com o beneplácito do governo americano.

Dessa forma, criar uma expectativa de tempos de bênção e mananciais de graças para nós latinos com a eleição de Barack Obama seria no mínimo uma ingenuidade tão desmedida inexistente até mesmo na tenra idade.

Por outro lado, numa sociedade que tinha por costume matar (eliminar) seus negros quando estes alcançavam notabilidade pública, a vitória de Obama não deixa de ser um bom sinal.

Sinal de mudança?

Pode ser. Mas mudança para quem?

Talvez para a população negra ou mestiça norte-americana?

Penso que nem isso pode ser agora respondido.

O certo é que Obama, embora negro, é um político norte-americano instruído nas instituições (nas melhores) norte-americanas, portanto, conseqüentemente, com pensamento de norte-americano.

Penso (com toda a minha deficiência no que diz respeito ao conhecimento da política externa norte-americana) que o fato de ser democrata ou republicano não torna Barack o antídoto de Bush.

Porém, em algum momento de seus 47 anos, a criança Barack, o adolescente Barack, ou o jovem e o adulto Barack deve ter provado um pouco do racismo virulento da sociedade que o formou e talvez, mas somente talvez, possa residir ai, nas mais profundas lembranças de Obama, o filete de esperança de algo de diferente na política sorrateira dos EUA.

Esperanças para os negros americanos e talvez por extensão para os historicamente oprimidos mundo a fora pelos insondáveis interesses dos políticos-empresários norte-americanos.

Gostaria de finalizar esse comentário, dizendo que, não obstante ao ceticismo que sinto em relação a tudo que diz respeito ao EUA, o contexto histórico, a euforia e o discurso da vitória de Obama ( que se não foi totalmente honesto, mas pelo menos há muito não quebrava o protocolo frio e anêmico) tudo isso me fez sentir (seja lá por qual motivo) que algo estava diferente da normalidade desinteressante do momento como esse. Pra começar eu estava, ainda durante as campanhas presidenciais, torcendo mui discretamente por um dos candidatos, coisa por mim completamente impossível de fazer. Segundo, depois do resultado sentir uma ponta irrisória de emoção com a fala de Barack em seu discurso e por fim, durante alguns minutos fui fã dos brancos anglo-saxões protestantes. Algo pode está mudando.

sábado, 1 de novembro de 2008

Fragmentos do meu livro "Ensaios para a mão esquerda" - II




Dissertação sobre Baudelaire, Walt Disney e Coca-cola.

No teatro do tempo o que existe é decadência, flacidez de carne e de ânimo, a morte em prestações. E mais: a força de isopor e a melancólica memória. Estamos eternamente condenados a envelhecer; a morte no fim acaba sendo o grande alívio.
Tragam ópio e haxixe, Baudelaire acaba de chegar.
"- A rua à direita!" É o que dizem. Aliás, dizem-se muitas coisas. Eu pouco me importo.
Eu gostaria, ao menos uma vez, poder dormir doze horas.
As pessoas na sala de jantar me incomodam. A propósito, a própria sala de jantar se contitui num desaforo nesses nossos tempos.
Talvez pedirei suas cabeças em bandejas de prata, enquanto assisto o racismo delicado de Walt Disney.
Você já ouviu umas histórias contadas lá pelo Mississipi? Claro que não.
No extremo norte do país, Coca-colas de plástico entopem os esgotos e os cérebros da aristocracia indígena.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Fragmentos do meu livro "Ensaios para a mão esquerda"

Museu de jeans e outras megalomanias descartáveis.

Nenhuma noite é inadequada quando se esfaqueia cadáveres e toda nova tendência na arquitetura de costumes se esvazia em contemporâneos romances que não se auto-ajudam, mas contaminam.
Talvez isso nem tenha passado na mente de Clara, quando acordou naquela quente e incômoda manhã de domingo.
Pensou em morrer, mas achou que beber gim com café seria uma opção provisoriamente mais prazerosa, portanto melhor.
Ainda tinha no organismo os restos do efeito da madrugada passada. Do apartamento vizinho, alguma coisa que a mídia gulosa chamava absurdamente de pagode, ou forró, ou sertanejo, seja lá o que for. Diversos são os rótulos. A merda é sempre a mesma.
Clara sentou no sofá, procurou o controle remoto e o encontrou remotamente no chão, remotamente ligou a televisão e logo lembrou que era domingo. No dia do senhor a programação era dos diabos.
Sem se esforçar muito, quase nada, Clara concluiu que a única opção para aquele tedioso dia seria "cheirar". Sem firmar atenção no desfile de pensamentos distintos que passava por sua mente, Clara arrumou cuidadosamente as fileiras. Parecia lúdico. Resolveu ousar. Alguém na televisão falava "o céu é o limite". Clara, confusa, responde, talvez para ela, talvez para a voz da televisão, talvez para ninguém:"- Limites? Não há limites para quem criou Deus."
Sua ousadia acrescentou mais três fileiras. Parou, ficou olhando para aquelas paralelas, lembrou da infância. Um desfile de rostos agora em sua mente totalmente danificada a confundia. Tentou chorar, não tinha lágrimas. Não tinha nada e tudo tinha. Levantou a vista e deu com a imagem da televisão. Alguém, por alguma razão que ela não conseguiu entender, dizia que as drogas matam e que Jesus é vida.
Clara pensou: "- Tudo mata." Lembrou de Buda: "- Tudo é dor." Lembrou de Pessoa: "- Navegar é preciso." Lembrou de Nietszche: "- Derrubar ídolos."
Sem saber por quê, baixou a cabeça, sem saber por quê aspirou a primeira, a segunda, todas as fileiras. Sem saber por quê, sentiu algo que ainda não havia sentido das outras vezes.Sem saber por quê, fez força para manter os olhos abertos. Clara não conseguiu ouvir o idiota apresentador da televisão dizendo: "- Essa pegadinha vai para quem está morrendo de tédio."

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Eis-me aqui!

Eu que sempre fui avesso à propagação e até à deificação da tecnologia acéfala que prioriza a lucratividade em detrimento de um real benefício coletivo, não posso, porém, isentar-me de reconhecer a importância desse espaço do qual passo a participar agora, espaço esse, lógico, fruto também desse avanço tecnológico.
Isso nos mostra a lógica inerente de todas as coisas resultantes da mão humana, a saber: o quanto pode haver de positivo na estrutura vorazmente lucrativa concebida pelo capitalismo. Dessa forma, aqui nesse espaço, talvez mais democrático que a própria estrutura política, social e econômica desse país, para deixar meu elogio e minha crítica, meu reconhecimento e minha repulsa, meu louvor e meu asco sobre as enxurradas de fatos e acontecimentos que assolam nossa realidade interna e externa.